Não existir

23:58 Filipe de Fiuza 0 Comments



Imaginar a forma 
doutro ser Na língua, 
proferir o seu desejo 
O toque inteiro 

Não existir 

Se o digo acendo os filamentos 
desta nocturna lâmpada 
A pedra toco do silêncio densa 
Os veios de um sangue escuro 

Um muro vivo preso a mil raízes 

Mas não o vinho límpido 
de um corpo 
A lucidez da terra 
E se respiro a boca não atinge 
a nudez una 
onde começo 

Era com o sol E era 
um corpo 

Onde agora a mão se perde 
E era o espaço 

Onde não é 

O que resta do corpo? 
Uma matéria negra e fria? 
Um hausto de desejo 
retém ainda o calor de uma sílaba? 

As palavras soçobram rente ao muro 
A terra sopra outros vocábulos nus 
Entre os ossos e as ervas, 
uma outra mão ténue 
refaz o rosto escuro 
doutro poema 



António Ramos Rosa, in "A Nuvem Sobre a Página"

FOTOGRAFIA DE JORGE TRABULO MARQUES

- um obrigado ao poeta por existir, 23-09-2013 -